Em 2008 entrei no seminário cheio
de vontade de alcançar a santidade. Minha visão de mundo: “quem acredita sempre
alcança”. Talvez seja verdade, mas tem uma porção bem grande de gente que
acredita, mas não tem alguns elementos para alcançar. E não é falta de força de
vontade não sabe. Mas porque eu falei no seminário? Porque eu acreditava que o
mundo seria melhor se todos fossem cristãos (não que eu não tenha deixado de
crer nisso, mas acho que descobri uma tal incoerência existente nos discursos,
ou melhor, descobri que há discursos que são meras retóricas, sofismos
demagogos). Determinado momento comecei a ver a quantidade de pessoas que não
tinham esse interesse de ser um servo, ajudar em vez de se aproveitar. Diante dessas
descobertas vieram as primeiras crises existenciais que vivi. Será que a fé que
me ensinaram é uma grande mentira? Será que a mudança que o cristianismo promete
a sociedade é uma farsa? Para tentar aquietar essas angústias de questionar as
verdades que eu cresci com elas, tudo o que fundamentava minha vida e minha
leitura de mundo...comecei a estudar ainda mais a bíblia e o que os documentos
da igreja diziam. Neles eu via que o que eu cria continuavam ali escritos.
Orientações para um mundo melhor. Mas olhava para o lugar que eu estava e via notícias
de escândalos, bate papos de ostentações (sobre garotas ou riquezas). Vi em
2009 um desastre ambiental em Santa Catarina e pessoas roubando as doações
destinadas às famílias, para vender. Pessoas que sequer precisavam de grana.
Roubando de quem passava necessidade. Me senti culpado. Eu estava ali num
ambiente confortável, vivendo às custas da fé de pessoas e vendo muitos que estavam
ali para se aproveitar dessa fé do povo. Eu devia estar lá em SC ou em outro
lugar agindo, colaborando, construindo junto com as pessoas, uma vida melhor
(Jo10, 10) e ajudando-as a ter consciência de como podemos aos poucos tornar o
mundo melhor, a começar do nosso mundo, da família, etc. Isso não foi o ponto
do clímax da minha crise. Eu descobri que na bíblia, algumas historias eram
literatura fictícia (Livro de Jó é uma novela). E antes de ser cristão, eu era “Testemunha
de Jeová”. O grande exemplo de fé e perseverança que depois de esperar em Deus
teria um “final feliz”. Ele era meu herói. Depois “eu conheci Jesus (essa frase
é meio clichê eu sei. Tem uma porção de gente que vive com ódio no coração que
a diz com a boca cheia) no sentido literal do termo. Ele também foi um exemplo
de superação. Historicamente falando ele superou as expectativas que tinham
sobre Ele. Era um filho de José com Maria que viviam na Galiléia (uma
comunidade pobre e periférica como as favelas brasileiras). Então, eu me senti
traído quando descobri que Jó não teria sido um fato histórico real. Pensei: “quantas
outras coisas ainda descobrirei sobre o que aprendi errado?” Comecei a perceber
a cosmogêneses de outras religiões e percebi que todas eram explicações
parecidas de fatos semelhantes e que havia demagogos em todas elas. E agora?
Como me refazer? Como descobrir quem sou agora se tudo que eu sabia e tinha
certeza, agora não passava de ponto de vista e as vezes até narrativas
fictícias?
Respondo já já essa pergunta. Mas
preciso falar de um personagem que convivi na academia (lá no seminário; frequentávamos
uma universidade) e que me ajudou muito em minhas crises. Era o irmão Junior.
Ele era de uma comunidade de vida que tinha por carisma viver junto com os que
mais sofrem vivendo as dores deles, para sentir com eles, rezar com eles e
alimentar a fé a partir do lugar deles, do lugar dos últimos. Ele sempre andava
descalço, passava a metade do mês dormindo nas ruas fazendo amizade com os
moradores de rua, levando pão e evangelho para eles e os convidando para virem
para uma casa de recuperação. Poxa vida! Se você prestou atenção em qual é o
carisma dessa comunidade de vida e como esse amigo meu praticava a sua fé; você
entenderá que ele era a confirmação ou o resgate de algumas coisas que me
provocaram a ir para aquela casa de formação com o intuito de ser padre. Mas eu
não podia simplesmente mudar e ir para a comunidade dele. Eu via nele a
santidade, embora ele ressaltasse o tempo todo que era uma busca constante e
que ele era tão pecador quanto as pessoas que eu via planejando aproveitarem
dos benefícios que um clérico herda com seu título.
Pronto! Apresentado meu contexto
e um personagem que estava entre o limite do que eu cria e me acompanhou
durante minha crise, agora vou dizer o que esse artigo da profa. Fabiana Moraes
(CAA/UFPE), Caruaru[1]
me fez lembrar e até me emocionar.
Diante daquela tragédia de SC, e
minha “autovaliação” de nós cristãos, eu disse que o cristianismo não estava
cumprindo com o que prometia. Portanto eu não tinha mais fé. Meu amigo tentou
recitar alguns trechos da bíblia e eu dizia: “desse livro aí? Risos- vai saber
o que é real e o que é fictício ai. E fui para minha casa sem hesitar em deixar
aquela fé. No dia seguinte, meu amigo, o Junior, me entregou uma revistinha da
comunidade dele. Era feita quase toda à mão, num estilo parecido com o fanzine.
Nela tinha as reflexões sobre a bíblia, mas antes, tinha uma parte chamada “Vaso
de Barro”. Eram as histórias dos moradores de rua e dos dependentes químicos (perdi
um irmão para o alcoolismo) que tinham superado e agora ajudavam outras pessoas
a superarem as desgraças que “o destino” coloca na vida “dos pobres”. Naquelas
histórias de superação fundamentadas numa filosofia cristã, eu suspirei fundo e
vi que era impossível Deus não existir e não agir quando as pessoas seguissem
verdadeiramente Suas indicações.
Não sei outros detalhes da
história de Danillo, de Asa, de Violeta, de Genival e tantos outros Eus que de
alguma forma superaram o destino. Sei que não é questão de só querer, existe
uma força inexplicável no coração dessas pessoas que vencem o destino. Não
preciso crer que essa força seja Deus para me alegrar. Muito menos que seja o
Deus cristão. Mas saber que nós somos capazes de ter essa energia e de
compartilhá-la...é uma coisa que me dá muita esperança. Não sei em quê e nem o
por que, mas me sinto cheio dela e me alegro, e suspiro e tenho certeza que
enquanto houver essa força dentro de pessoas que querem o bem não só para si,
mas para todos que puder alcançar, então valerá a pena ter esperança, valerá a
pena dizer que sou da espécie homo
sapiens.
[1]Os absurdos
que já presenciei no interior de uma universidade federal.( https://noticias.uol.com.br/colunas/fabiana-moraes/2020/09/26/os-absurdos-que-ja-presenciei-no-interior-de-uma-universidade-federal.htm?cmpid=copiaecola)
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