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As cem crônicas da pedagogia pachecóide (n°1)

     Era uma manhã como tantas outras.  Estávamos nos preparando para ir para a roça.  Não me lembro bem se era uma roça de arroz, milho, macaxeira ou feijão.  Mas me lembro da cena pedagógica e ela é o nosso foco aqui.
    Naquela manhã eu tinha que colocar cunha em minha enxada. A minha enxada havia sido emprestada a algum dos nossos amigos que estavam ali para trocar o dia (não era necessário pagar a diária,  mas pagar com um dia de trabalho.  Todos éramos iguais e não havia patrão e empregados). Meu pai observava minha inexperiência em lidar com a necessidade de segurar a enxada,  ajeitar a cunha no lugar certo e ao mesmo tempo bater com alguma coisa para a cunha entrar no lugar certo e firmar a enxada.
    Era uma cena engraçada para ele e para mim... era ao mesmo tempo um desafio dificílimo e uma vergonha.  Meu pai era um trabalhador afamado por sua habilidade na agricultura. Era rápido na enxada, na foice e no enxadeco. E com para manusear essas ferramentas,  alinhá-las ou dar qualquer manutenção; ele era criterioso, pois sempre dizia que uma ferramenta bem encabada e amolada era o crachá de um trabalhador comprometido.
Bem, meu pai precisou se decidir diante do dilema que assitia e se aflingia ao saber que pra ele era fácil de resolver. Então ele se aproximou e quando ia pegar para me ajudar freou seus gestos e retrocedeu dizendo: "você precisa aprender". Eu também vivi um dilema naquele dia. Primeiro me senti respeitado em meu direito de descobrir,  meu direito de me desenvolver errando, tentando, compreendendo os erros, os passos, os processos que futuramente me permitiriam acertar.  Mas como todo adolescente da modernidade,  me senti abandonado, julguei-o cruel por estar se deliciando com minha incapacidade e burrice.  Eu sabia que pra ele era facílimo resolver aquilo.  Mas ele sequer sentira misericórdia daquele adolescente recém chegado da periferia de São Paulo. E assim cresci, julgando-o por não ter facilitado mais a minha vida, minha "difícil" vida de adolescente que precisava fazer alguma coisa que não fosse só ir para a escola (uma vez que a escola não ensina a estudar, mas a "assistir" aula) e passar o resto do tempo brincando.
    Passei minha juventude temeroso em chegar ao dia em que eu fosse pai. Eu pensava que eu não teria capacidade de ser pai. Eu não queria ser julgado por meu/minha filho(a) como julguei meu pai. Mas hoje,  tenho tido cada vez mais certeza que meu pai me deu o melhor presente que um pai ou uma mãe pode dar aos filhos: a vontade de superar obstáculos,  a certeza que se eu não desistir as coisas darão certo uma hora e enquanto não der certo eu não devo parar de tentar, de insistir,  de estudar novas formas, de analisar o que estou fazendo,  como estou fazendo e porque estou fazendo.  Meu pai não lia muito,  mas foi em minha adolescência e juventude,  um exímio professor de filosofia e um pedagogo que me fez problematizar tudo em minha volta e tentar entender o porquê das coisas e qual meu papel de interação com tudo e todos em minha volta.
     Hoje estou completando 34 anos. Quando completei 33 eu dizia para minha esposa que eu estava pronto para minha crucificação: eu tinha a idade de Jesus quando ele foi crucificado.  Mas em vez da cruz, eu ganhei uma nova identidade.  Talvez mais uma a somar às minhas tantas identidades nessa casa chamada Terra. Em vez de me entregar uma cruz, eu recebo um filho e minha nova identidade é a de ser pai.
Espero ser sábio como meu pai foi para respeitar os processos de aprendizagens e a ajudar meu/minha filho(a) se tornar forte e resiliente como tenho sido em minha jornada sobre Gaia.

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