Após a abolição da escravatura no Ceará provocada pela atitude corajosa do Dragão do Mar e os jangadeiros, alguns ex-escravos se esparramaram pelas praias onde a terra não tinha valor naquela época. Assim, chegaram os primeiros habitantes da lindíssima praia que alguns anos após, começara a ser chamada de Prainha Do Canto Verde.
Aos poucos outras famílias vão chegando para morar nesse paraíso para viver da pesca artesanal.
E, ano a ano ia se moldando uma comunidade com seus costumes e valores.
Alguns desses costumes iniciais e que nem é mais praticado hoje em dia, era o escambo na época da Páscoa: os pais ou mães de família de outras comunidades vizinhas, vinham trocar cereais, frutas e derivados com os peixes dos pescadores da Prainha.
Mas aquelas terras sem valor, começam a ser valorizadas, ou seja, se não servia para plantar e criar animais porque é só areia, a partir da valorização do turismo no país, as praias onde existiam essas comunidades simples começam a sofrer com a tentativa de tomarem a terra onde aprenderam a viver dela.
Os moradores já haviam até aprendido a usar a terra para plantar. Mesmo sendo tudo areia, descobriram que algumas frutas e verduras produziam, e a maior descoberta foi o que chamamos de vazantes: terrenos baixos que durante o período chuvoso ficam enxarcados, mas na estiagem preservam apenas a umidade e a fertilidade, se tornando ótimos para pequenas lavouras de policulturas.
Mas, mesmo com essa relação tão harmoniosa com a natureza, apreendida com quase cem anos de convivência com o ambiente litorâneo não foram suficientes sozinhas para se protegerem de alguns grileiros que começaram a agir para tomar as terras das famílias que viviam nessa pequena porção de areia e história do povo prainheiro.
De repente um morador que se aliou aos grileiros começou a espalhar a notícia que o lugar tinha dono e que as pessoas teriam que se apertar nos cantos da terra porque o dono ia lotear tudo.
E pior que o cabra não estava de mentira não...
Alguns moradores já tinham debatido sobre esse fato na sala de aula, no EJA. A discussão surgiu quando a professora Ines perguntou sobre o que era a terra para seus alunos. Esse tema trouxe tudo que eles estavam escutando na comunidade para ser estudado e discutido. Mas não ficou só na discussão, o povo pediu ajuda do Centro de Defesa dos direitos humanos em Fortaleza e foram à luta para defender seu povo e sua terra. E a partir daqui vou tentar rimar essa história...
Teve juiz sacana que mandou o advogado desistir de defender o povo porque quem ganharia a causa era quem tinha mais grana. O advogado saiu do tribunal feito um tufão, esbravejando com o juiz que se ele não estivesse ali para cumprir a lei que deixasse sua função.
O povo da Prainha não ficou quieto para esperar, se organizaram a foram pra rua protestar. Levaram faixas e a mulecada e até jornal veio entrevistar.
Os tal grileiros que eram de uma imobiliária, pensaram que iam enfraquecer a luta dos moradores e encheu a praia de marcadores, distribuindo cercas morro afora. Aí que eles viram que os prainheiros não estavam de brincadeira e suas terras não iam entregar. Se juntaram tudim, veio até índio pra ajudar. Foi um grande multirão para aquelas cercas derrubar. Não sobrou um piquete sequer, para o recado se completar: que o povo da Prainha é guerreiro e não se deixa enganar. Quando parecia que a vitória tinha chegado e era hora de comemorar, aparece outro vilão, e tudo começa a fazer para se aproximar. Alguns não veem problema em deixar o grande empresário na prainha se estabelecer, ele consegue novos aliados e tem presente pra todo lado, dando uma de papai noel, enquanto isso, a tentativa de grilagem tramita na justiça, e os que "nada sabem", até hoje o defendem e nele acredita.
Ele já prometeu até viaduto aqui instalar, mas a gente sabe que, o que ele quer, é a metade das terras e usa a justiça silenciosa para alcançar. Descobriu com outros especuladores, que dividir a comunidade, é uma boa estratégia e nisso investiu pesado, conseguindo alguma média. Apesar de seus aliados serem mestres do barulho e da ofensa, a maioria dos moradores guardam o espírito de guerreiros de seus ancestrais; sabendo da importância da terra e o modo de vida de quem respeita os recursos naturais.
Infelizmente essa visão não é pra qualquer um em tempos de individualismo e idolatria do capital. Então, a juventude é a única esperança de enfrentar, esse demônio que quer acabar, com a história dessa terra e dessa gente, pensando apenas em mais dinheiro ganhar.
Mas todo mundo sabe que o nativo daqui tem um presente e uma missão divina: enquanto milhões de brasileiros nascem devendo o banco mundial, o nativo da Prainha nasce com direito a um patrimônio econômico, histórico e cultural, que é o seu direito à moradia, à plantação e ao trabalho, coisa que os bacanas não querem concordar, porque acham que privilégio é só pra filho de empresário e não pra descendente de escravo.
Escrevi esse resumo da história desse povo guerreiro, para manter vivo na juventude, a certeza de que a luta dos seus pais e avós, deve ser honrada não só para manter a tradição, mas porque continua a perseguição, dessas terras quererem de vocês tomarem.
Talvez vocês se perguntem, "o que vamos fazer se nem sabemos a quem recorrer e como lutar?"
Três dicas eu vos digo para começarem a se organizar:
I. Cantem e contem, mantenham viva a história de seus ancestrais;
II. Tomem conhecimento do que é vosso e do valor que tem, pois nada vos é garantido sem que lutem para conquistar e manter o que é seu por direito, ou seja, direitos não memorizados são esquecidos por quem tem interesse em silenciá-los;
III. Tudo o que fizerem de vossas vidas-estudar, produzir, melhorar-, nunca pensem que poderão sobreviver ou avançar sozinhos, a vida de um povo só melhora quando esse povo luta por melhorias juntos, quando se defendem juntos, quando avançam juntos, quando decidem juntos e quando recoam juntos, pois o sentimento de união é a maior força de um povo e é também a única forma de vencer os inimigos que estão sempre a criar estratégias de enfraquecer a unidade dos povos guerreiros.
Carta de um professor sonhador para a juventude da Reserva Extrativista Federal Prainha do Canto Verde, Beberibe-CE ou somente RESEX Prainha.
Ass. André Paz
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